João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Protestos nas universidades converteram progressistas 'woke' à liberdade de expressão

Compromisso com esse direito é substancial e não depende da nossa simpatia pela causa do momento

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É um dos milagres do ano: os protestos dos estudantes nas universidades americanas voltaram a converter os progressistas "woke" às virtudes da liberdade de expressão. Ainda me lembro: as palavras são violência, diziam eles, exigindo "safe spaces" —espaços seguros— e "trigger warnings" —avisos de gatilho— para combater as "microagressões".

Mas bastou a guerra em Gaza para que a Primeira Emenda da Constituição fosse recordada com nostalgia. Afinal, as palavras não são violência. Os "safe spaces" e os "trigger warnings" não fazem o menor sentido. E as "microagressões" não passam de conceitos vagos, absurdos, até perigosos.

Acampamento em apoio aos palestinos na Universidade Columbia, em Nova York (EUA), neste domingo (28) - David Dee Delgado/Reuters

Quando o assunto é Israel, os judeus e a guerra em Gaza, violência é não haver palavras. E os únicos "safe spaces" tolerados são os campi das próprias universidades, onde é possível fazer tudo —protestar, sim, mas também ocupar edifícios e assediar colegas judeus.

São assim os progressistas "woke": numa semana, são Torquemadas; na semana seguinte, são marqueses de Sade. Que o diga Jay Caspian Kang, que oferece na New Yorker um exemplo dessa metamorfose.

Houve um tempo, confessa Kang, em que ele compreendia a atitude daqueles estudantes que escorraçavam das universidades os palestrantes conservadores. Na peculiar cabeça de Kang, os estudantes estavam apenas a exercer o seu direito segundo a Primeira Emenda, não a violá-la grosseiramente.

É uma interpretação genial: posso destruir a liberdade do outro se estiver apenas a exercer a minha liberdade. Ou, em poucas palavras, viva a selva!

Mas agora Kang mudou de ideias. A liberdade de expressão, no fim das contas, deve adotar sempre um ponto neutro, permitindo aquele "mercado de ideias" de que falava John Stuart Mill.

Estou comovido. Não estou convencido. Se, amanhã, um grupo de trumpistas ocupar o campus de uma universidade para defender as suas ideias supremacistas, será que Jay Caspian Kang publicará um texto na New Yorker a defendê-los? Será que a Primeira Emenda, nesse caso, ainda terá validade?

A essa eu respondo: tem sim. Tem sempre. Os protestos nas universidades americanas podem ferir os meus ouvidos, sobretudo quando abraçam o antissemitismo sem disfarces.

Mas, tirando ocupações ilegais de edifícios ou violência física contra terceiros, defendo a liberdade dos estudantes pró-palestinos em proferirem as suas opiniões contra Israel e a favor de um grupo terrorista como o Hamas.

Como é evidente, também defenderia o direito de estudantes trumpistas em se manifestarem nos mesmos termos.

O compromisso com a liberdade de expressão é substancial, não instrumental. Não depende da nossa simpatia pela causa do momento. Depende, tão só, de acreditarmos nas virtudes dessa liberdade para uma sociedade democrática.

Quem pensa que a liberdade de expressão só é válida quando o tema é válido aos seus olhos, é tão fanático como os fanáticos que pretende silenciar.

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